Integrante da Flotilha da Liberdade, que levava ajuda humanitária à Faixa de Gaza quando foi interceptada pelas forças de segurança israelenses há cerca de uma semana, o brasileiro Thiago Ávila informou que o grupo de ativistas prepara uma nova missão para assistência aos palestinos da região.
"Vamos continuar tentando romper o cerco ilegal de Israel sobre Gaza, levar alimentos e medicamentos e abrir um corredor humanitário dos povos.
Para nós, enquanto tiver crianças morrendo de fome em Gaza, essa é a missão fundamental.
Já temos um novo barco chamado Handala, ele está quase pronto para ir", disse o ativista em entrevista exclusiva à Agência Brasil.
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"Estamos tentando arrumar novos barcos para uma missão maior desta vez.
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Queremos que seja sempre assim: se Israel atacar uma missão nossa, que saiba que a próxima missão será maior.
E que eles entendam que a violência não vai nos parar", completou.
Na entrevista, ele falou sobre a truculência das forças israelenses desde a interceptação do barco em águas internacionais até o que classificou de sequestro dos 12 ativistas estrangeiros que estavam a bordo.
Ele denunciou ainda situações de violência e abuso de poder às quais a população da Faixa de Gaza é submetida de forma constante.
“Tudo o que a gente queria era não ser assassinado naquele momento.
Nos mantiveram por mais de 20 horas sequestrados dentro do nosso próprio navio, eles estavam fortemente armados”, contou.
A embarcação, que foi interceptada em 9 de junho, partiu da Itália levando alimentos e medicamentos, com o objetivo de furar um bloqueio imposto por Israel ao território palestino, que há mais de três meses impõe fome a quase 2 milhões de pessoas.
Thiago chegou ao Brasil na manhã da última sexta-feira (13) e foi recebido por familiares e apoiadores no Aeroporto Internacional de São Paulo, após sua prisão em Israel.
Segundo os relatos, alguns ativistas, incluindo o brasileiro, foram mantidos em um ambiente com ratos, baratas e percevejos, além de receberem uma água turva e com mau odor para beber.
Até a unidade prisional, foram levados em veículos com vidros cobertos e no escuro.
“As pessoas estavam amontoadas, não tinham acesso a banheiro, uma delas urinou no veículo.
Foi um processo degradante de transporte, com constantes ameaças e violência psicológica”, lembrou Thiago.
“Era noite.
Tinha apenas alguns buraquinhos de falha na tinta da janela que ficava atrás de nós.
Então dava para perceber que tinha alguma luz ou um soldado se aproximando, por exemplo, mas a gente não conseguia ver detalhes a ponto de se localizar”, contou.
Em protesto contra a detenção, que denunciou ser um sequestro, Thiago ficou em greve de fome.
Como punição, foi levado a uma cela solitária, além de sofrer ameaças de que não voltaria ao Brasil nem sairia dali caso não interrompesse a greve.
O ativista Thiago Ávila durante a sua chegada no aeroporto de Guarulhos, após ser preso e deportado pelo exército israelense ao tentar desembarcar em Gaza.
Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil" title="Paulo Pinto/Agência Brasil">
Ele avalia que a missão da Flotilha da Liberdade ajudou a dar visibilidade às prisões ilegais e torturas cometidas contra os palestinos, a quem classificou de reféns. Segundo a Associação de Apoio a Prisioneiros e Direitos Humanos (Addameer), atualmente Israel mantém 10,4 mil prisioneiros palestinos.
No mês de março deste ano, o brasileiro-palestino Walid Khaled Abdallah, de 17 anos, morreu em uma prisão israelense após maus-tratos.
Segundo informações da Federação Árabe Palestina do Brasil (Fepal), a morte foi causada por fome e desidratação prolongadas, além da falta de cuidados médicos.
A Fepal relatou que a prisão onde o jovem estava é conhecida pelo uso de tortura com choques elétricos, espancamentos e privação de comida.
O Monitor Euro-Med de Direitos Humanos, organização independente baseada na Suíça, reconheceu a tortura sistemática e as atrocidades sofridas pelos palestinos nas prisões israelenses.
Diante disso, a entidade avalia que há flagrante violação das normas imperativas do direito internacional.
“Essa política faz parte do crime de genocídio de Israel, que visa destruir o povo palestino na Faixa de Gaza, total ou parcialmente, enfraquecendo os fundamentos de sua sobrevivência e levando-o à submissão ou à extinção”, divulgou a organização em nota.
A prisão de Thiago Ávila é tratada como crime de guerra pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) do Brasil, que pediu ao governo brasileiro a suspensão das relações diplomáticas e comerciais com Tel Aviv.
O Itamaraty considerou que houve violação do direito internacional e pediu, na ocasião, a libertação do ativista.
Confira abaixo os principais trechos da entrevista:
Agência Brasil: Quais as ilegalidades cometidas por Israel contra os ativistas que estavam na embarcação da Flotilha da Liberdade?
Thiago Ávila: A maior violação que aconteceu, neste momento do sequestro, foi pelo fato de nós estarmos a mais de 100 milhas náuticas de Gaza, portanto em águas internacionais.
Israel não tem jurisdição para interceptar qualquer embarcação em águas internacionais.
Mesmo que a gente já estivesse em Gaza, também não teria jurisdição porque é o território marítimo palestino.
Houve também uma violação das decisões liminares da Corte Internacional de Justiça [CIJ], no processo que a África do Sul abriu contra Israel pelo crime de genocídio, que proibiam Israel ou qualquer outro país de deter ajuda humanitária que tentasse chegar a Gaza.
Ao interceptar nossa missão, Israel não apenas violou acordos internacionais de legislação marítima e de navegação, como também uma decisão da CIJ, a maior instância jurídica do mundo, do sistema das Nações Unidas.
Uma missão humanitária – carregando alimentos, medicamentos, próteses para crianças amputadas, muletas, filtros de água –, não violenta no seu princípio e na sua forma de agir ao longo de toda missão, foi atacada violentamente por Israel.
Primeiro por drones, em um processo de guerra cibernética, que interceptou o sistema de navegação e interceptou parcialmente nossa comunicação com o mundo exterior.
Depois os drones começaram a jogar elementos químicos sobre nós, tintas e um pó preto que até hoje a gente não conseguiu identificar.
Depois a abordagem violenta e a chegada para tomada do nosso barco, o sequestro em águas internacionais.
Nos mantiveram por mais de 20 horas sequestrados dentro do nosso próprio navio, sendo levados para um destino diferente de onde iríamos: o Porto de Ashdod em Israel.
Nossos pertences, equipamentos eletrônicos e o próprio barco foram todos tomados por eles, sem nenhuma explicação, sem direito de defesa.
Coagiram as pessoas a assinar um documento onde elas confessavam a culpa pelo crime de entrar ilegalmente em Israel, sendo que nunca foi nosso objetivo entrar em Israel.
Segundo os advogados de direitos humanos que nos acompanhavam, aquilo foi tanto uma interceptação ilegal, um crime de guerra, como uma prisão ilegal e uma deportação ilegal também.
Então que era o nosso direito não assinar uma uma assunção de culpa sobre aquilo.
A gente manteve a decisão de não assinar, exceto quatro pessoas que a gente avaliou que era importante que saíssem primeiro para contar a história ao mundo.
O ativista Thiago Ávila durante a sua chegada no aeroporto de Guarulhos, após ser preso e deportado pelo exército israelense ao tentar desembarcar em Gaza.
Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil" title="Paulo Pinto/Agência Brasil">
Agência Brasil: No momento da interceptação, quando as forças de Israel entraram na embarcação, como vocês se sentiram e como reagiram?
Thiago Ávila: A tomada do barco foi um momento de tensão, porque numa situação assim, 15 anos atrás, eles assassinaram dez dos nossos participantes.
Eu treinei aquelas pessoas em relação à melhor chance que a gente teria de sair vivo de uma situação de interceptação.
Dentro do barco, eu era o responsável por garantir que as pessoas tomassem todas as medidas emergenciais em caso de ataque e de manter todo mundo nesse foco de que não importa o tamanho da crueldade da violência que eles usem, a gente vai se manter com uma missão não violenta.
E a gente conseguiu fazer isso com sucesso.
Eles [forças israelenses] são muito violentos.
Como a gente desescala uma situação assim, como não fazer nenhum movimento brusco, como não tentar impedir a tomada deles do barco? Nós éramos um barco humanitário de 12 pessoas.
Aquela força, a S13 [Shayetet 13] das forças especiais de Israel, é uma unidade que estava ali com pelo menos 80 soldados fortemente armados, com equipe de apoio e equipamento militar.
Não tinha [possibilidade de] vitória militar para a gente, nem era a nossa intenção.
Tudo o que a gente queria era não ser assassinado naquele momento.
Eles aproveitaram essa oportunidade para filmar e dizer que estavam sendo cordiais com a gente.
Quando estavam gravando, eles de fato falavam palavras cordiais.
Na hora em que entregavam água e comida, filmavam para parecer que estavam cuidando daquelas pessoas, que na verdade estavam sendo sequestradas.
Mas, logo atrás de quem estava filmando, estavam os fuzis.
Era uma manobra publicitária que pode enganar quem vê as imagens, mas quem estava vivendo...